POR AMOR AO CINEMA II

Vitor Mature e Hedy Lammar Vicente Celestino e Alice Archambeau  Lee Aaker e Ri Tin Tin

Nasci e me criei nos Dantas, na adolescência estudante do Colégio Paroquial de Mauriti, tinha que pegar dois quilômetros de caminhada para chegar à escola; pela CE-384, pavimentação em piçarra, cheia de curvas, para chegar ao centro: pende para a direita depois da casa de Izidro Braga, dobra à esquerda no Olho D’aguinha e fecha em noventa graus à direita ao interceptar a rua Marechal Floriano, penetrar-se na cidade; nesse percurso dois espaços nos faziam apressar os passos: depois da casa de Izidro Braga até as residências dos Pereira e a rota que tínhamos de contornar, o Olho D’aguinha, ambos tidos como mal assombrados.  

Naquela época, os Dantas,  ficava muito distante do centro da  cidade, estrada carroçal, sem iluminação pública, pouquíssimas casas a margem da estrada: a casa grande dos Dantas, residências de Zé Maria, Celerino, Zé Soares, Cesar Pereira, Izidro Braga, mais adiante a casa de pedra e a de Antônio de Zé Miguel, sempre fechadas; a uns cento e cinquenta metros João Tavares/Domitila, seu Mundô,  (Pai Mundô), Silveira, Newton Sobral,  Cícero de Mundô, à esquerda; mais adiante em direção ao centro Zé Miguel; logo depois a curva do Olho D’aguinha, zona do medo, segundo a lenda onde apareciam seres imaginários: lobisomem, animais fantasmagóricos, do tipo “Seres Imaginários”, dos quais nos fala Jorge Luís Borges; a noite o silêncio, só quebrado por o latido de algum cão, nas  residências nas laterais da estrada a luz opaca do cadeeiros sinalizava que ali havia algum vivente; assim contávamos as últimas edificações para mais rápido chegarmos ao centro da cidade: fugir da passagem pelo Olho D’aguinha fazia agirmos como agrimensor: a duzentos metros a casa de dona Pergentina, à esquerda, ao sul, um pouco afastada a casa de Zé Vicente, na mesma direção a uns duzentos metros a residência de seu Marcos. A uns duzentos metros se chega a rua Marechal Floriano, se vislumbra o reflexo da luz elétrica da Praça Dr. Cartaxo. Esse era meu itinerário durante a semana para o colégio; as noites de sábado chegavam alvissareiras, ir ao cinema. Podia ser um filme bíblico como Sansão e Dalila, de 1949, épico realizado por Cecil B. DeVille, estrelado por Vitor Mature e Alice Archambeau; DURANGO KID, filme de 1940, faroeste do subgênero West B estrelado por Charles Starrett e dirigido por Lambert Hillyer que fez mais de 60 filmes sobre Durango Kid; O Ladrão de Bagdá, de 1925, dirigido pelo respeitável Douglas Farbamks, estrelado por Roddy McDowel, Peter Ustinov, Terence Stamp; ou o Ladrão de Bagdá, com Kabir Bedi, Ustinov e Stamp, estes dois, cinquenta e três anos mais velhos; O Ébriofilme brasileiro de 1946 dirigido por Gilda de Abreu e escrito por ela e seu marido Vicente Celestino, ator principal, coadjuvado pelos excelentes Rodolfo Arena e Valter Dávila. Havia, entretanto, o que os meninos achavam a cereja do bolo: os seriados, com o perigo da série ou perigo da morte, (em inglês cliffhager, seja momento de angústia) que ficava para a próxima semana. São seriados inesquecíveis: “A Marca do Zorro” (1920), de Fred Niblo, estórias do herói mascarado; Superman  é um seriado estadunidense de 1948, produzido em 15 capítulos. Baseado no personagem homônimo das histórias em quadrinhos, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster; estrelado por Kirk Alyn, que curiosamente os créditos foram dados a Clark Kent, (personagem principal do seriado), e Noel Neill como Lois Lane (no Brasil, Miriam Lane);  Ri Tin, Tin seriado policial, com Lee Aaker, ator mirim e seu cão rin tin tin, adotados pelas tropas do Forte Apache, no Arizona; e   o famoso e celebrado “Besouro Verde”, seriado da década de sessenta, dirigido por William Beaudine, tinha no elenco Van Willians, como o besouro verde e Bruce Lee, como Kato, entre alguns outros seriados que animavam a garotada, desinteressada, pelo cinejornal que passava antes do seriado e/ou do filme. O mais conhecido, o Canal 100, cinejornal brasileiro criado em 1957 por Carlos Niemeyer, funcionou até 2000; com sede no Rio de Janeiro, o Canal 100 era exibido semanalmente, antes do filme, apresentava sobretudo documentários cinematográficos de eventos importantes do país e do futebol.

A minha juventude foi de liberdade, nos Dantas, a liberdade da inocência, da ausência de grandes compromissos e da obediência aos mais velhos; palmilhava o sítio com os amigos a procura de frutas maduras que não faltavam: goiaba, manga, condessa, araticum, cajá, azeitona, tangerinas; ou um cacho de banana amadurecido no pé. Jogava bola de meia com os vizinhos, depois do jogo corríamos para mergulhar no banheiro dos Dantas, águas cristalinas e correntes, com piabas nadando desenvoltas sob os olhares dos banhistas; as crianças entre o medo e a admiração mergulhavam de olhos aberto para enxerga-las mais de perto. O banheiro dos Dantas, símbolo de uma época em que Mauriti tinha poucas áreas de lazer, suas lembranças para os que lá se banharam são carregadas de nostalgia, de lembranças, parodiando Ovídio diria: “nem o fogo, nem o ferro, nem o tempo devorador poderão destruir”; caçava de baladeira e matava beija-flor para engolir seu pequeno coração, pois só assim me tornaria um exímio atirador de estilingue; à tardinha    montava acavalo para juntar o gado e leva-lo ao curral; a noitinha ia para o terreiro brincar de pega-pega, sob um luar esplendoroso e uma brisa leve que a custo nos deixava suar. Ao caminharmos sobre o tempo, ao volvermos na memória nossas pegadas chegamos a conclusão de Baltasar Gracián y Moarales: “O homem tem muito para saber e pouco para viver; e não vive se não souber nada”.

FRANCISCO CARTAXO MELO
Professor da UECE aposentado
Economista/Analista de
Planejamento Seplag/Iplance
aposentado
Consultor organizacional FLACSO
(Faculdade Latino Americana de
Ciências Sociais)

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